No último dia 19 de setembro, senadores, militantes e especialistas debateram os dez anos de existência do sistema de cotas raciais nas universidades. A conclusão dos participantes dessa Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) foi unânime: a ação afirmativa mostrou ser bem sucedida ao promover significativa inclusão da população negra no ensino superior público.
Como saldo da política de cotas para negros, 160 instituições públicas de ensino superior adotam hoje algum tipo de ação afirmativa, totalizando cerca de 330 mil cotistas, 110 mil deles afrodescendentes. São 32 universidades estaduais e 38 universidades federais que têm sistemas de cotas raciais, 77% delas por iniciativa própria e as demais em virtude de legislação do respectivo Estado.
Em nenhuma das instituições universitárias em que foram implantadas as cotas houve diferença minimamente significativa de desempenho entre alunos cotistas e não-cotistas. Além disso, os cotistas desistiram menos dos cursos para os quais se inscreveram.
Tampouco houve relatos de conflitos generalizados entre cotistas e não-cotistas e a escassez de mão-de-obra especializada que há hoje no Brasil torna improvável que os que estão se formando pelo sistema de cotas venham a sofrer qualquer discriminação no mercado de trabalho, até porque terão resultados acadêmicos (notas) iguais ou melhores do que os dos formados não-cotistas.
Nesse aspecto, vale discorrer sobre uma área na qual a política de cotas para negros deve promover uma revolução, sobretudo no Sul e no Sudeste do Brasil. Quem vive nessas regiões sabe que nelas é praticamente impossível encontrar médicos negros. A quase totalidade desses profissionais é branca e descendente de europeus. Aos negros e pardos estão reservadas as posições de enfermeiros e demais auxiliares da saúde.
São Paulo deve ser um dos Estados onde a situação é pior. Nesse Estado, o racismo na medicina será pouco reduzido por conta de o governo local se recusar a adotar ações afirmativas contra a exclusão racial na área. Todavia, supõe-se que, com o tempo, talvez ao longo desta nova década, como o Brasil aumentará, em alguma medida, o contingente de médicos negros, alguns acabarão migrando para regiões onde a exclusão racial na medicina é maior.
O aumento do número de médicos negros no Sul e no Sudeste também deverá reduzir um dos principais problemas da Saúde pública nas regiões, que é o de médicos mais experientes buscarem o atendimento aos setores sociais mais abastados em busca de maiores ganhos, o que deixa o setor público com escassez desses profissionais.
O Brasil vem formando poucos médicos porque, até então, estudar medicina só estava ao alcance dos mais abastados. Pode-se considerar, na melhor das hipóteses, que, para se formar médico, o estudante precisa de pelo menos uma década de dedicação integral aos estudos, sem poder trabalhar e ser remunerado, e tendo que arcar com dispendioso material didático. Formar-se em medicina é muito caro mesmo estudando em universidade pública.
A continuidade das políticas de cotas para negros, portanto, é a única chance de não apenas fazer justiça social, mas de reduzir um problema que aflige a toda a população que não dispõe de planos de saúde e que é maioria esmagadora dos brasileiros: a escassez de médicos oriunda do elitismo na profissão. No Brasil contemporâneo, a medicina é branca. Mas isso está mudando.
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Apenas um negro passou em medicina na Fuvest 2008
Simone Harnik
Do G1, em São Paulo
01/03/2008
Ao todo, 37 cursos não têm nenhum ingressante negro na primeira chamada.
Os convocados negros somam 1,8% dos calouros.
Somente um estudante negro foi convocado em primeira chamada para cursar medicina em 2008 pela Fuvest. A Universidade de São Paulo (USP) em São Paulo e em Ribeirão Preto e a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa ofereceram, ao todo, 375 vagas. A informação é do questionário socioeconômico do vestibular 2008, respondido por 369 ingressantes no curso.
O número de indígenas foi maior que o de autodeclarados negros: dois contra um. A Fuvest, fundação que realiza o processo seletivo, divide os estudantes em cinco categorias. Além dos negros e índios, 28 estudantes se declararam pardos, 59, amarelos e a grande maioria, 279, brancos.
Em medicina, a proporção de negros em 2008 não é muito diferente dos últimos vestibulares. O vestibular 2007 foi o que teve mais negros, entraram quatro. Nos dois anos anteriores, somente um estudante se declarou negro. E há cinco anos, nenhum se declarou negro.
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