A
primeira reação de qualquer um que vê uma pessoa negra se dizendo descendente
de africanos na campanha é pensar: o MJ está comparando escravidão à imigração?
Que imigração é essa que está no sangue? Estão falando dos estupros de meninas
e mulheres negras que está no sangue de seus descendentes?
Então
você entra no site da campanha e sim, é isso que está sendo dito: "Desde a
chegada dos primeiros portugueses, em 1500, o Brasil tem recebido pessoas de
todos os continentes, o que nos torna um dos povos mais plurais do
planeta.(...) Muitos brasileiros têm famílias formadas por pessoas que migraram
de outro lugar para cá: pai, avó, bisavô, tataravó... Essas pessoas, junto com
os povos indígenas que aqui estavam, ajudaram a construir o Brasil."
Se
imigração fosse equivalente à escravização; chegada fosse equivalente a
assalto; ajuda a trabalho forçado e “junto com os povos indígenas” equivalente
a etnocídio, não haveria nenhum problema com a campanha do governo
brasileiro.
Mas
há tantos erros que fica difícil identificar que o mesmo país que considera
racismo hediondo, ignora aspectos retumbantes de sua história ou até mesmo
trajetórias de políticas públicas, numa peça publicitária desastrosa.
A
premissa da condição de equivalência e igualdade entre os povos que aqui
chegaram ou mesmo que aqui estavam na “construção” do país é algo há muito
superado na historiografia. Aqui chegaram diversos povos em condições
diferentes com consequências ainda não transpostas a pessoas negras e povos
indígenas.
A
celebração da miscigenação para a população negra é a retificação da violência.
O que está no nosso sangue são as consequências de abusos, estupros, coerção e
diversas estratégias de um projeto genocida que teve na imigração europeia um
de suas principais estratégias de branqueamento.
Desde
ontem a campanha tem recebido diversas críticas no facebook do Ministério da
Justiça, que tem respondido com o mesmo texto de agradecimento, informando que
o foco da campanha é a xenofobia, e que o Ministério assim como o governo é
contra o racismo.
Como
é se posicionar contra o racimo realizando uma campanha contra a xenofobia com
um modelo negro sem mencionar racismo? Como o Brasil vai combater xenofobia sem
diálogo com racismo? Imigrantes de diferentes nacionalidades são igualmente
discriminados?
Alguns
dos principais casos recentes de xenofobia no país não por acaso tem ocorrido
com pessoas negras de diversas nacionalidades: haitianas, cubanas, senegalesas.
Entre os casos há tentativa de homicídio, xingamentos, perseguição e atiramento
de bananas. Ser comparado a um macaco deve ser certamente uma experiência
vivida por imigrantes de diversas nacionalidades...
Talvez
para o Ministério da Justiça, celebrar a imigração seja combater a xenofobia e
estampar uma pessoa negra em suas campanhas seja combater o racismo. Assim como
dizer que o “governo é contra o racismo” seja a resposta para perguntas que não
querem se calar:
Quantos
negros o MJ tem em seus quadros para analisarem essa campanha? Que pluralidade
é essa que não oportuniza a escuta? O MJ considerou a experiência das pessoas
negras ao elaborar ao aprovar essas peças publicitárias? Essa campanha foi
feita em diálogo com áreas que trabalham a questão do racismo no governo
federal?
Fato
é que, se imigração está no sangue, essa campanha vai permitir que o nosso
continue a jorrar sob os olhos da justiça.
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Texto de Dalila F. Negreiros, militante do Nosso Coletivo Negro, Servidora
Pública e Mestre em Desenvolvimento e Políticas Públicas pela Fiocruz.
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