AO
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTÔNIO AUGUSTO
BRANDÃO DE ARAS
C/C
PROCURADORIA FEDERAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
MARIVALDO DE CASTRO PEREIRA,
brasileiro, advogado, regularmente inscrito na OAB/SP sob o nº 230.043, residente
e domiciliado na SCRN 702/703, Bl D, entrada 36, apto 106, CEP: 70720-640;
ANA FLÁVIA MAGALHÃES PINTO, representando a REDE HISTORIADORXS NEGRXS;
ANDREY LEMOS, representando
a UNIÃO NACIONAL DE LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS/UNALGBT
ARTUR ANTÔNIO DOS SANTOS
ARAÚJO, representando o NOSSO COLETIVO NEGRO;
BÁRBARA OLIVEIRA, representando
as PRETAS CANDANGAS; CAROLINA SARAIVA, representando o CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA
DO DISTRITO FEDERAL;
CINTHIA ABREU, representante da MARCHA MUNDIAL DE
MULHERES NEGRAS E DO SAMBA NEGRAS EM MARCHA
CIRO DE SOUZA BRITO, advogado, OAB/PA 23.958, representando a TERRA DE DIREITOS;
CRISTIANA DOS SANTOS LUIZ,
representando o MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO - MNU/DF;
DANIEL COSTA,
representando a REDE AFRO LGBT;
DANIELLE DE PAULA,
representando a COALIZÃO DE NEGRITUDE DO DISTRITO FEDERAL;
DEISE BENEDITO,
advogada, especialista em relações étnico raciais e gênero e ex-Perita do
Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura do Ministério da Justiça;
DENILDO RODRIGUES DE MORAES,
representando a COORDENAÇÃO NACIONAL DE ARTICULAÇÃO
DAS COMUNIDADES NEGRAS, RURAIS, QUILOMBOLAS - CONAQ;
DENNIS OLIVEIRA,
representando a REDE QUILOMBAÇÃO;
ÉLLEN DAIANE CINTRA, professora
da SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO DISTRITO FEDERAL;
ERICK VINICIUS ANDRADE DA ROCHA, representando a NEGRITUDE DO COLETIVO JUNTOS;
FÁBIO FÉLIX, DEPUTADO DISTRITAL
- PSOL;
FERNANDA LOPES,
representando o movimento NIKETCHE: TRANSFORMANDO REALIDADES;
FREI DAVID RAIMUNDO SANTOS,
representando o EDUCAFRO;
GILBERTO BATISTA CAMPOS, representando o CÍRCULO PALMARINO;
GINA VIEIRA PONTE DE ALBUQUERQUE,
representando o PROJETO MULHERES INSPIRADORAS;
IARA ALVES,
representando o COTURNO DE VÊNUS;
IÊDA LEAL DE SOUZA,
representando a COORDENAÇÃO NACIONAL DO MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO;
IVANETE ALVES OLIVEIRA,
representando a UNIÃO DE NEGROS PELA IGUALDADE - UNEGRO;
JAQUELINE FERNANDES, representando o INSTITUTO AFROLATINAS;
JAQUELINE MARIA PEREIRA MARINHO
NUNES, representando a NEGRITUDE SOCIALISTA BRASILEIRA - NSB/DF;
JORGE AMÂNCIO,
professor, escritor e um dos criadores do Movimento Negro Unificado no Distrito
Federal;
JULIO LISBOA, representando
o AQUILOMBANDO - DISTRITO FEDERAL E ENTORNO;
KLEISON MORENO,
representando a FORÇA AFRO BRASIL; LARISSA VIEIRA,
representando a ASSOCIAÇÃO COLETIVO MARGARIDA ALVES DE ASSESSORIA POPULAR;
LEILA REGINA LOPES,
representando a REDE SAPATÀ E A FRENTE BRASILEIRA DE LÉSBICAS NEGRAS ANTI-RACISTAS;
LUCAS SCARAVELLI DA SILVA,
Historiador e Educador Popular;
LUCIANA GOMES DE ARAÚJO,
jornalista e integrante da MARCHA DAS MULHERES NEGRAS DE SÃO PAULO;
LUCIMAR ALVES MARTINS, representando o CENTRO DE REFERÊNCIA DO NEGRO - CERNEGRO/DF;
LULA ROCHA,
representando a REDE AFIRMAÇÃO;
MÁRCIA MARIA DA SILVA, representando a ARTICULAÇÃO NACIONAL DE PSICÓLOGAS NEGRAS
E PESQUISADORAS DA REGIÃO CENTRO-OESTE;
MARIA DAS GRAÇAS SANTOS,
representando a FRENTE DE MULHERES NEGRAS E DO ENTORNO;
MARIA RAIANE FELIX BEZERRA,
representando o COLETIVO PRETAS KARIRI;
MAX MACIEL, PRIMEIRO SUPLENTE
DO PSOL NA CLDF;
NÁDIA REIS, representando o SUBVERTA - COLETIVO ECOSSOCIALISTA E LIBERTÁRIO;
NATHÁLIA OLIVEIRA,
representando a INICIATIVA NEGRA;
NEON CUNHA, militante
independente e integrante da MARCHA DAS MULHERES NEGRAS DE SÃO PAULO;
NILZA IRACI,
representando o GELEDÉS - INSTITUTO DA MULHER NEGRA;
PABLO FEITOSA NUNES AMORIM,
representando o INSTITUTO NACIONAL AFRO ORIGEM - INAO;
PAULA BALDUINO,
representando as PRETAS CANDANGAS;
RAFAEL MOREIRA,
representando a FEDERAÇÃO DE UMBANDA E CANDOMBLÉ DE BRASÍLIA E ENTORNO;
RAFAEL OLIVEIRA,
representando a EXTENSÃO UBUNTU, FRENTE NEGRA DE CIÊNCIA POLÍTICA;
REGINA NOGUEIRA,
representando o FÓRUM NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL DOS POVOS TRADICIONAIS
DE MATRIZ AFRICANA - FONSANPOTMA;
RENATA PARREIRA,
representado o CANDACES;
ROSA ANACLETO, representando
a UNIÃO DOS NEGROS E NEGRAS PELA IGUALDADE - UNEGRO;
ROSELI FARIA, representando
o coletivo TODOS E TODAS PELA CONSTITUIÇÃO, o COLETIVO MULHERES DE LUTA e a ASSOCIAÇÃO
NACIONAL DOS SERVIDORES DA CARREIRA DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO - ASSECOR;
SARAH NOBRE DE MENEZES,
representando o INSTITUTO NEGRO DO CEARÁ;
TERENCE GONÇALVES,
representando a ACADEMIA BRASILEIRA DE CULTURA E DESPORTO - COLETIVO ABCD;
VALÉRIA CARVALHO,
representando o GRUPO DE VALORIZAÇÃO NEGRA DO CARIRI - GRUNEC;
VERÔNICA ISIDORO,
representando a FRENTE DE MULHERES DOS MOVIMENTOS DO CARIRI;
VICTOR NUNES GONÇALVES,
professor, jornalista e ex-Presidente do Conselho de Defesa dos Direitos do
Negro do DF;
VINICIUS PEREIRA, representando o MOVIMENTO
AFRODESCENDENTE DE BRASÍLIA - MADEB;
WANDERSON MAIA NASCIMENTO, representando a FRENTE FAVELA BRASIL;
WALDICÉIA DE MORAES TEIXEIRA
DA SILVA, professora e pastora, representando o COLETIVO DE MULHERES DAS ORGANIZAÇÕES
RELIGIOSAS DO DISTRITO FEDERAL (COMOR-DF);
WILSON BARBOZA DA SILVA,
professor e pastor, representando a ALIANÇA DE NEGRAS E NEGROS EVANGÉLICOS DO BRASIL
NO DISTRITO FEDERAL (ANNEB-DF);
ZULEIDE FERNANDES DE QUEIROZ,
representando o COLETIVO MARIELLE FRANCO DO CARIRI;
vêm,
respeitosamente, com fulcro no artigo 5º, inciso XXXIV, alínea a, no art. 127,
caput e no art. 129, incisos II e III, ambos da Constituição Federal, bem como
no art. 236, inciso VII da Lei Complementar nº 75, de maio de 1993, como
pessoas e entidades com trajetória dedicada à luta contra o racismo
institucional e estrutural e pela implementação de políticas de promoção da
igualdade racial, apresentar representação em face do Ministro de Estado Chefe
da Casa Civil substituto FERNANDO WANDSCHEER DE MOURA ALVES e do Presidente da
Fundação Cultural Palmares, o Senhor SÉRGIO NASCIMENTO DE CAMARGO, pelos fatos
e fundamentos que se seguem.
I - DOS FATOS
1.
No dia 27 de novembro, foi publicada a nomeação do novo
Presidente da Fundação Cultural Palmares, o Sr. SÉRGIO NASCIMENTO DE CAMARGO,
assinada pelo Ministro de Estado Chefe da Casa Civil substituto FERNANDO
WANDSCHEER DE MOURA ALVES.
2. Criada em 1988, a Fundação Cultural Palmares é uma
instituição pública, atualmente vinculada ao Ministério do Turismo, que tem a
finalidade de promover e preservar a cultura afro-brasileira. A Fundação Cultural
Palmares formula e implanta políticas públicas que potencializam a participação
da população negra brasileira nos processos de desenvolvimento do País,
preocupada com a igualdade racial e com a valorização das manifestações de
matriz africana.
3. Resultado da luta do Movimento Negro brasileiro por políticas
de promoção da igualdade racial, a Fundação Cultural Palmares foi o primeiro
órgão federal criado para promover a preservação, a proteção e a disseminação da
cultura negra.
4. Historicamente, a Fundação Cultural Palmares teve entre seus
valores fundamentais o comprometimento com o combate ao racismo, a promoção da igualdade,
a valorização, difusão e preservação da cultura negra, a promoção da cidadania
no exercício dos direitos e garantias individuais e coletivas da população
negra em suas manifestações culturais e a promoção da diversidade no
reconhecimento e respeito às identidades culturais do povo brasileiro.
5. A Fundação Cultural Palmares tornou-se referência nacional e internacional
na formulação e execução de políticas públicas da cultura negra, atuando para
promover a inclusão social da população afro-brasileira, daí sua importância
para a promoção de políticas de enfrentamento ao racismo e de promoção da
igualdade racial.[i]
6.
Diante do histórico e da importância da referida Fundação, a
nomeação do Senhor SÉRGIO NASCIMENTO DE CAMARGO para presidi-la, mostra-se
absolutamente antijurídica e contrária ao interesse público, uma vez que sua
trajetória, historicamente, é radicalmente contrária aos interesses que a Fundação
busca defender.
7. Conforme amplamente divulgado pela imprensa, o novo
Presidente da Fundação Cultural Palmares é jornalista e militante de direita,
marcado por atacar o Movimento Negro brasileiro, suas bandeiras e lideranças.
8. Entre as afirmações do novo Presidente da Fundação Cultural
Palmares abertamente atentatórias contra o objeto e finalidade da instituição
estão aquelas nas quais afirma que não existe “racismo real”, que a escravidão foi
“benéfica para os descendentes” e a defesa da extinção do “movimento negro”.[ii]
9.
Nas suas redes sociais, o escolhido para defender o órgão de
promoção da igualdade racial já defendeu o fim do feriado da consciência negra
e distribuiu uma série de ofensas a personalidades negras, conforme amplamente
divulgado pela imprensa.
10.
De acordo com matéria publicada no jornal O’Globo:
“Racismo ‘Nutella"
No dia 15 de setembro, Camargo publicou que
no Brasil existe um racismo “nutella”, ao contrário dos Estados Unidos, onde
existiria um racismo “real”. “A negrada daqui reclama porque é imbecil e
desinformada pela esquerda”, disse. Em 27 de agosto, havia escrito que a
escravidão foi “terrível, mas benéfica para os descendentes” porque negros
viveriam em condições melhores no Brasil do que na África.
Fim do movimento negro
No dia 16 do mesmo mês, afirmou que o
movimento negro precisa ser “extinto” porque “não há salvação”. Em outra
ocasião, escreveu que “merece estátua, medalha e retrato em cédula o primeiro
branco que meter um preto militante na cadeia por crime de racismo”. Também já
disse sentir “vergonha e asco da negrada militante”.
Críticas a Zumbi dos Palmares
O Dia da Consciência Negra é um dos alvos
preferenciais do novo presidente da Palmares. Ele defendeu a extinção do
feriado por decreto, porque ele causaria “incalculáveis perdas à economia do
país” ao homenagear quem ele chamou de um “um falso herói dos negros”, Zumbi
dos Palmares — que dá nome à fundação que ele agora preside. Também já afirmou
que o feriado foi feito sob medida para o “preto babaca” que é um “idiota útil
a serviço da pauta ideológica progressista”.
Ofensas a personalidades negras
A lista de personalidades negras atacada
por Camargo é grande. Ele disse ser favorável a que “alguns pretos sejam
levados à força para a África”, e cita Lázaro Ramos e Taís Araújo (classificada
de “rainha do vitimismo”) como exemplo. “Sugiro o Congo como destino. E que
fiquem por lá!”, disse. O sambista Martinho da Vila é outro que deveria “ser
mandado para o Congo”, por ser um “vagabundo”. Marielle Franco, vereadora do
Rio de Janeiro assassinada a tiros, “não era negra” e era um “exemplo do que os
negros não devem ser”.
Angela Davis, uma das principais expoentes
do feminismo negro, foi chamada de “baranga” e “mocreia”. A cantora Preta Gil e
a atriz Camila Pitanga foram chamadas de “ladras racistas” por, segundo ele, se
dizerem negras “para faturar politicamente e fazer discurso vitimista”. Os
músicos Gilberto Gil, Leci Brandão, Mano Brown, Emicida e os deputados federais
Talíria Petrone e David Miranda (ambos do PSOL-RJ) foram todos chamados de
“parasitas da raça negra no Brasil”.
Críticas ao funk
Além disso, o jornalista chamou a “macumba”
— termo pejorativo utilizado para se referir a religiões de matriz africana
— e o “funk carioca” de “desgraças do
mundo” e disse que o hip-hop faz “apologia da maconha e do crime”. Para ele,
uma mulher negra que seja “feminista, lulista e afromimizenta não pode reclamar
da ‘solidão da mulher negra'”, porque “ninguém é louco de encarar”.”[iii]
11.
Diante de tais posicionamentos, resta evidente a
incompatibilidade entre a trajetória e os valores do senhor SÉRGIO NASCIMENTO
DE CAMARGO e aqueles valores que a lei
determina que devem ser perseguidos pela Fundação Cultural Palmares.
12.
Tal incompatibilidade torna evidente que a referida nomeação
tem como objetivo frustrar, não apenas a persecução dos objetivos legalmente
atribuídos à Fundação, como o cumprimento do dever de enfrentamento do racismo institucional
e estrutural e de promoção da igualdade racial expressamente abrigados na
Constituição, o que configura claro desvio de finalidade, conforme passaremos a
expor.
II - DO DIREITO
13.
A Constituição Federal de 1988 consagrou a igualdade como
garantia fundamental e elevou a prática do racismo a crime inafiançável e imprescritível,
sujeito à pena de reclusão, conforme expressamente previsto em seu art. 5º:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
………………………………………………………………………
XLII - a prática do racismo constitui crime
inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
14. Decorre da referida garantia constitucional o reconhecimento
do racismo existente na sociedade brasileira, especialmente em relação à
população negra, sobretudo em razão do longo período em que prevaleceu entre
nós uma economia baseada na expropriação da força de trabalho do povo negro, mediante
a violência, tortura e assassinatos.
15. Da mesma forma, a garantia constitucional pressupõe o dever
do Estado brasileiro de acertar suas contas com seu passado escravocrata,
implementando políticas públicas que promovam a igualdade racial, de maneira a
corrigir as injustiças praticadas contra o povo negro e a enfrentar o racismo
institucionalizado e estruturado em nossa sociedade.
16. Trata-se de entendimento amplamente debatido e pacificado no âmbito
do Supremo Tribunal Federal, conforme podemos depreender do Acórdão proferido
no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Constitucional nº 186, da relatoria do
Ministro Ricardo Lewandowski, quando se debateu a constitucionalidade da
política de cotas para negros nas universidades:
“EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE
PRECEITO FUNDAMENTAL. ATOS QUE INSTITUÍRAM SISTEMA DE RESERVA DE VAGAS COM BASE
EM CRITÉRIO ÉTNICO-RACIAL (COTAS) NO PROCESSO DE SELEÇÃO PARA INGRESSO EM
INSTITUIÇÃO PÚBLICA DE ENSINO SUPERIOR. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 1º, CAPUT,
III, 3º, IV, 4º, VIII, 5º, I, II XXXIII, XLI, LIV, 37, CAPUT, 205, 206, CAPUT,
I, 207, CAPUT, E 208, V, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AÇÃO JULGADA
IMPROCEDENTE.
I -
Não contraria – ao contrário, prestigia – o princípio da igualdade material, previsto no
caput do art. 5º da Carta da República, a possibilidade de o
Estado lançar mão sejade políticas de cunho universalista, que abrangem um número
indeterminados de indivíduos mediante
ações de natureza estrutural, seja de ações
afirmativas, que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo
a estes certas
vantagens, por um tempo
limitado, de modo a permitir-lhes a
superação de desigualdade decorrentes de situações históricas particulares.
II -
O modelo constitucional brasileiro incorporou diversos
mecanismos institucionais para
corrigir as distorções resultantes
de uma aplicação puramente formal do princípio da igualdade.
III -
Esta Corte, em diversos
precedentes, assentou a
constitucionalidade das políticas
de ação afirmativa.
IV -
Medidas que buscam reverter, no âmbito universitário, o quadro histórico de desigualdade
que caracteriza as relações étnico-raciais e sociais em nosso País, não podem ser
examinadas apenas sob a ótica de sua compatibilidade com determinados preceitos
constitucionais, isoladamente considerados,
ou a partir
da eventual vantagem
de certos critérios sobre outros,
devendo, ao revés, ser analisadas à luz do arcabouço principiológico sobre o
qual se assenta o próprio Estado
brasileiro. (...) ” 4[iv]
(Grifamos)
17. O tema foi novamente abordado pelo Supremo Tribunal Federal no
âmbito da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 41, de relatoria do Ministro
Roberto Barroso, quando a Corte Suprema reafirmou:
“Ementa: Direito Constitucional. Ação
Direta de Constitucionalidade. Reserva de vagas para negros em concursos
públicos. Constitucionalidade da Lei n° 12.990/2014. Procedência do pedido. 1.
É constitucional a Lei n° 12.990/2014, que reserva a pessoas negras 20% das
vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e
empregos públicos no âmbito da administração pública federal direta e indireta,
por três fundamentos. 1.1. Em primeiro lugar,
a desequiparação promovida pela política de ação
afirmativa em questão
está em consonância
com o princípio da
isonomia. Ela se
funda na necessidade de superar o
racismo estrutural e
institucional ainda existente na ociedade brasileira, e garantir a igualdade material
entre os cidadãos,
por meio da distribuição mais equitativa de bens sociais e
da promoção do reconhecimento da
população afrodescendente. 1.2. Em segundo lugar, não há violação
aos princípios do concurso público e da eficiência. A reserva de vagas para
negros não os isenta
da aprovação no
concurso público.
Como qualquer outro candidato, o
beneficiário da política deve alcançar a nota necessária para que seja
considerado apto a exercer, de forma adequada e eficiente, o cargo em questão.
Além disso, a incorporação do fator “raça” como critério de seleção, ao invés
de afetar o princípio da eficiência, contribui para sua realização em maior
extensão, criando uma “burocracia representativa”, capaz de garantir que os
pontos de vista e interesses de toda a população sejam considerados na tomada
de decisões estatais.(...)”[v]
(Grifamos)
18. Dessa forma, a mais alta Corte do país consolidou
entendimento no sentido de reconhecer a existência do racismo institucional e
estrutural entre nós. Da mesma forma, consolidou que cabe ao Estado promover
políticas públicas para seu enfrentamento, exatamente como prevê a norma ao estabelecer
os objetivos a serem perseguidos pela Fundação Cultural Palmares.
19.
De acordo com a Lei nº 7.668, de 1988:
“Art. 1º Fica o Poder Executivo autorizado
a constituir a Fundação Cultural Palmares - FCP, vinculada ao Ministério da Cultura, com
sede e foro no distrito Federal, com a finalidade de promover a preservação dos valores
culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência
negra na formação da sociedade
brasileira.
Art. 2º
A Fundação Cultural Palmares - FCP poderá atuar, em todo o território nacional,
diretamente ou mediante convênios ou contrato com Estados, Municípios e
entidades públicas ou privadas, cabendo-lhe:
I -
promover e apoiar eventos relacionados com os seus objetivos, inclusive visando à interação
cultural, social, econômica e política
do negro no contexto social do país;
II -
promover e apoiar o intercâmbio com outros países e com
entidades internacionais, através do Ministério das Relações Exteriores, para a realização de pesquisas,
estudos e eventos
relativos à história
e à cultura dos povos negros.
III -
realizar a identificação dos remanescentes das comunidades dos quilombos, proceder ao reconhecimento, à
delimitação e à
demarcação das terras por eles ocupadas e conferir-lhes a correspondente titulação.(...)” [vi]
(Grifamos)
20. Dessa forma, é indiscutível que a Fundação Cultural Palmares
é um dos instrumentos criados pelo legislador infraconstitucional para o
cumprimento do dever constitucional imposto ao Estado brasileiro de enfrentar o
racismo institucional e estrutural e de promover a igualdade racial, com o
objetivo de reparar a violência histórica e a exclusão social de que fora
vítima a população negra em nosso país.
21. Trata-se de finalidade diametralmente oposta aos valores
defendidos pela pessoa escolhida para ocupar a Presidência da referida
instituição, o que torna sua nomeação um claro exemplo de desvio de poder e
absolutamente incompatível com as finalidades que a Fundação deve perseguir,
devendo ser imediatamente anulada, sob pena de frustrar o cumprimento da
obrigação prevista constitucionalmente.
22. Nesse sentido, manifestou este colendo parquet ao propor ação
civil pública[vii] para
questionar a nomeação
para cargos públicos em situação muito
semelhante, quando pessoas
com trajetória historicamente contrárias aos objetivos colimados pela
Comissão de Anistia foram nomeadas para o Conselho daquele órgão. Na ocasião,
manifestou-se o Ministério Público:
“Das provas
que acompanham esta Petição, vê-se que 07 membros nomeados para a nova composição do Conselho da Comissão
de Anistia são agentes de carreiras ou têm histórico e postura públicos que são
INCOMPATÍVEIS com a
função do órgão, seja por manifesta contrariedade à política
pública de reparação das vítimas de Estado ou devido à atuação judicial contrária
à política de reparação, ou ainda por se posicionarem contrários à instauração da
Comissão Nacional da Verdade,
seja porque integram
as forças coercitivas do Estado.”[viii]
(Grifamos)
23. Diante do claro objetivo de desestruturar os trabalhos da
Comissão mencionada a partir das referidas nomeações, o Ministério Público
defendeu expressamente que fossem anuladas as nomeações efetivadas para o
referido órgão.[ix]
24. É exatamente o caso da nomeação do senhor SÉRGIO NASCIMENTO
DE CAMARGO, tendo em vista a mais absoluta incompatibilidade entre sua trajetória
e os objetivos colimados pela Fundação Cultural Palmares.
25.
Deve-se alertar que, apesar da livre nomeação para o referido
cargo prevista em lei, a designação de pessoas para o comando de órgãos com o
claro intuito de desestruturá-los fere os princípios básicos que regem a administração
pública e está sujeita às sanções previstas em lei.
26.
Nesse sentido, a Lei nº 8.429/1992, Lei de Improbidade Administrativa,
prevê, em seu art. 11, que constitui ato de improbidade a prática de ato que
atente contra os princípios da administração pública da moralidade, da
legalidade e da lealdade às instituições, e notadamente a prática de ato visando a fim proibido em lei ou
regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência, sujeitando seu autor, servidor civil ou
militar, à pena de perda da função pública, suspensão dos direitos políticos e
multa civil de até cem vezes o valor da remuneração.
27. Por sua vez, a Lei nº 4.717/65 estabelece que são nulos os atos que atentem contra o
patrimônio histórico nacional, em especial aqueles praticados em claro desvio
de finalidade, assim concebido o ato praticado objetivando fim diverso daquele
previsto na regra de competência.
28. Conforme aponta Edmir Netto de Araújo, a violação da
finalidade se constata quando o agente
público persegue um fim proibido em lei ou que não seja de interesse geral.[x]
29. No presente caso, resta evidente que o Ministro de Estado
Chefe da Casa Civil ao nomear o senhor SÉRGIO
NASCIMENTO DE CAMARGO para a Presidência da Fundação Cultural Palmares
violou todo o arcabouço constitucional que obriga o Estado a enfrentar o
racismo institucional e estrutural e a promover políticas de promoção da
igualdade racial, uma vez que o indicado para o órgão responsável por
concretizar esses deveres contesta a escravidão a existência do racismo entre
nós.
30. Mais evidente ainda é o desvio de finalidade contido na
conduta, uma vez que a finalidade almejada não é o interesse geral, mas sim o
de preservar o racismo estrutural e institucional e de impedir a promoção de
políticas para a inclusão da população negra.
31. Inquestionável que a conduta do Ministro Chefe da Casa Civil
fere ainda os princípios básicos que regem a administração pública abrigados no
art. 37 da Constituição Federal, como o da moralidade e o da legalidade.
32. Por todo exposto, é imprescindível e urgente que as instituições
responsáveis pela preservação dos limites constitucionais estabelecidos para o exercício
do Poder Executivo atuem para resguardar as normas violadas.
33. A nomeação questionada tem o intuito claro e exclusivo de
inviabilizar o funcionamento da Fundação Cultural Palmares, instituição central
para o combate ao racismo institucional e estrutural e para a promoção das
políticas de promoção da igualdade racial entre nós.
34. Trata-se de verdadeira operação de sabotagem dos poucos
avanços que a população negra conquistou em nosso país, sobretudo nos últimos anos,
resultado do acúmulo da luta de diversas gerações, situação absolutamente
incompatível com a Constituição Cidadã.
35. Em síntese, ao efetivar a referida nomeação o Ministro de
Estado Chefe da Casa Civil substituto cometeu ato de improbidade e agiu em
abuso de poder, conduta que é cada vez mais corriqueira no âmbito do atual
Governo, aumentando ainda mais a responsabilidade do Ministério Público, do
Poder Judiciário e do Legislativo.
III - DO PEDIDO
36. Nesse sentido, requer-se, sem prejuízo de outras medidas que esta Procuradoria entender cabíveis:
I -
a urgente instauração de procedimento por esta
Procuradoria-Geral para exigir a declaração de nulidade da nomeação do senhor SÉRGIO NASCIMENTO DE CAMARGO para a
Presidência da Fundação Cultural Palmares, publicada no dia 27 de novembro de 2019;
II -
a adoção de procedimento para apurar a responsabilidade do
Ministro de Estado Chefe da Casa Civil substituto FERNANDO WANDSCHEER DE MOURA ALVES ao efetivar nomeação para frustrar
o cumprimento dos deveres constitucionais conferidos ao Estado brasileiro para
enfrentar o racismo institucional e estrutural e para promover políticas de
promoção da igualdade racial;
Brasília, 28 de novembro de 2019.
Marivaldo De Castro
Pereira
OAB/SP nº 230.043
Ana Flávia Magalhães
Pinto
REDE HISTORIADORXS NEGRXS
Andrey Lemos
UNIÃONACIONAL DE LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS/UNALGB
Artur Antônio Dos Santos
Araújo
NOSSO COLETIVO NEGRO
Bárbara Oliveira
PRETAS CANDANGAS
Carolina Saraiva
CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA DO DISTRITO FEDERAL
Cinthia Abreu
MARCHA MUNDIAL DE MULHERES NEGRAS E DO SAMBA NEGRAS EM MARCHA
Ciro De Souza Brito
TERRA DE DIREITOS;
Cristiana Dos Santos
Luiz
MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO - MNU/DF
Daniel Costa
REDE AFRO LGBT
Danielle De Paula
COALIZÃO DE NEGRITUDE DO DISTRITO FEDERAL
Deise Benedito
Ex-Perita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à
Tortura do Ministério da Justiça
Denildo Rodrigues De
Moraes
COORDENAÇÃO NACIONAL DE ARTICULAÇÃO DAS COMUNIDADES NEGRAS,
RURAIS, QUILOMBOLAS - CONAQ
Dennis Oliveira
REDE QUILOMBAÇÃO
Éllen Daiane Cintra
PROFESSORA DA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO DISTRITO FEDERAL
Erick Vinicius
ANDRADE DA ROCHA NEGRITUDE DO COLETIVO JUNTOS;
Fábio Félix
DEPUTADO DISTRITAL - PSOL
Fernanda Lopes
NIKETCHE: TRANSFORMANDO REALIDADES
Frei David Raimundo
Santos
EDUCAFRO
Gilberto Batista Campos
CÍRCULO PALMARINO
Gina Vieira
PONTE DE ALBUQUERQUE PROJETO MULHERES INSPIRADORAS
Iara Alves
COTURNO DE VÊNUS
Iêda Leal De Souza
COORDENAÇÃO NACIONAL DO MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO;
Ivanete Alves Oliveira
UNIÃO DE NEGROS PELA IGUALDADE - UNEGRO
Jaqueline Fernandes
NSTITUTO AFROLATINAS
Jaqueline Maria Pereira
Marinho Nunes
NEGRITUDE SOCIALISTA BRASILEIRA - NSB/DF
Jorge Amâncio
Professor, escritor e um dos criadores do Movimento Negro
Unificado no Distrito Federal
Julio Lisboa
AQUILOMBANDO - DF E ENTORNO
Kleyson Moreno
FORÇA AFRO BRASIL
Larissa Vieira
ASSOCIAÇÃO COLETIVO MARGARIDA ALVES DE ASSESSORIA POPULAR
Leila Regina Lopes
REDE SAPATÀ E FRENTE BRASILEIRA DE LÉSBICAS NEGRAS ANTI-RACISTAS;
Lucas Scaravelli Da
Silva
HISTORIADOR E EDUCADOR POPULAR
Luciana Gomes De Araújo
MARCHA DAS MULHERES NEGRAS DE SÃO PAULO;
Lucimar Alves Martins
CENTRO DE REFERÊNCIA DO NEGRO - CERNEGRO/DF;
Lula Rocha
REDE AFIRMAÇÃO
Márcia Maria Da Silva
ARTICULAÇÃO NACIONAL DE PSICÓLOGAS NEGRAS E PESQUISADORAS DA
REGIÃO CENTRO-OESTE
Maria Das Graças Santos
FRENTE DE MULHERES NEGRAS E DO ENTORNO
Maria Raiane Felix
Bezerra
COLETIVO PRETAS KARIRI
Max Maciel
PRIMEIRO SUPLENTE DO PSOL NA CLDF
Nádia Reis
SUBVERTA - COLETIVO ECOSSOCIALISTA E LIBERTÁRIO
Nathália Oliveira
INICIATIVA NEGRA
Neon Cunha
MARCHA DAS MULHERES NEGRAS DE SÃO PAULO
Nilza Iraci
GELEDÉS - INSTITUTO DA MULHER NEGRA;
Pablo Feitosa
INSTITUTO NACIONAL AFRO ORIGEM - INAO
Paula Balduino
PRETAS CANDANGAS
Rafael Moreira
FEDERAÇÃO DE UMBANDA E CANDOMBLÉ DE BRASÍLIA E ENTORNO
Rafael Oliveira
EXTENSÃO UBUNTU, FRENTE NEGRA DE CIÊNCIA POLÍTICA
Regina Nogueira – Kota Mulanji
FÓRUM NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL DOS POVOS
TRADICIONAIS DE MATRIZ AFRICANA - FONSANPOTMA;
Renata Parreira
CANDACES
Rosa Anacleto
UNIÃO DOS NEGROS E NEGRAS PELA IGUALDADE - UNEGRO;
Roseli Faria
TODOS E TODAS PELA CONSTITUIÇÃO, o COLETIVO MULHERES DE LUTA,
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS SERVIDORES DA CARREIRA DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO -
ASSECOR;
Sarah Nobre De Menezes
INSTITUTO NEGRO DO CEARÁ
Terence Gonçalves
ACADEMIA BRASILEIRA DE CULTURA E DESPORTO - COLETIVO ABCD
Valéria Carvalho
GRUPO DE VALORIZAÇÃO NEGRA DO CARIRI - GRUNEC
Verônica Isidoro
FRENTE DE MULHERES DOS MOVIMENTOS DO CARIRI
Victor Nunes Gonçalves
Ex- Presidente do Conselho de Defesa dos Direitos do Negro
do DF;
Vinicius Pereira
MOVIMENTO AFRODESCENDENTE DE BRASÍLIA - MADEB;
Wanderson Maia Nascimento
FRENTE FAVELA BRASIL
Waldiceia De Moraes
Teixeira Da Silva
COLETIVO DE MULHERES DAS ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS DO DISTRITO
FEDERAL (COMOR/DF)
Wilson Barbosa Da Silva
ALIANÇA DE NEGRAS E NEGROS EVANGÉLICOS DO BRASIL NO DISTRITO
FEDERAL (ANNEB/DF)
Zuleide Fernandes De
Queiroz
COLETIVO MARIELLE FRANCO DO CARIRI
[i] https://www.geledes.org.br/hoje-na-historia-1988-a-lei-n-7668-cria-a-fundacao-cultural-palmares/
[ii] https://oglobo.globo.com/cultura/novo-presidente-da-fundacao-palmares-nega-existencia-de-racismo-
pede-fim-do-movimento-negro-24104072
[iii] https://oglobo.globo.com/cultura/novo-presidente-da-fundacao-palmares-nega-existencia-de-racismo-
pede-fim-do-movimento-negro-24104072
[v] http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ADC%24%2ESCLA%2E+E+41%2ENUME%2E%29+OU+%28ADC%2EACMS%2E+ADJ2+41%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/hnw455n
[vii] http://www.mpf.mp.br/df/sala-de-imprensa/noticias-df/mpf-aciona-justica-e-questiona-a-nomeacao-de-membros-para-a-comissao-de-anistia
[ix] http://www.mpf.mp.br/df/sala-de-imprensa/noticias-df/mpf-aciona-justica-e-questiona-a-nomeacao-de-membros-para-a-comissao-de-anistia
[x] ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. São
Paulo: Saraiva, 2005. p. 460.
Nenhum comentário:
Postar um comentário