sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Pedido ao excelentíssimo Senhor Procurador-Geral da República de instauração de procedimento de apuração para declaração de nulidade da nomeação à Presidência da Fundação Cultural Palmares publicada no dia 27 de novembro de 2019


AO EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTÔNIO AUGUSTO BRANDÃO DE ARAS


C/C PROCURADORIA FEDERAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO


MARIVALDO DE CASTRO PEREIRA, brasileiro, advogado, regularmente inscrito na OAB/SP sob o nº 230.043, residente e domiciliado na SCRN 702/703, Bl D, entrada 36, apto 106, CEP: 70720-640;

ANA FLÁVIA         MAGALHÃES          PINTO, representando      a REDE HISTORIADORXS NEGRXS;

ANDREY LEMOS, representando a UNIÃO NACIONAL DE LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS/UNALGBT

ARTUR ANTÔNIO DOS SANTOS ARAÚJO, representando o NOSSO COLETIVO NEGRO;
BÁRBARA OLIVEIRA, representando as PRETAS CANDANGAS; CAROLINA SARAIVA, representando o CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA DO DISTRITO FEDERAL;

CINTHIA    ABREU, representante      da       MARCHA MUNDIAL DE MULHERES NEGRAS E DO SAMBA NEGRAS EM MARCHA

CIRO           DE      SOUZA          BRITO,          advogado,     OAB/PA 23.958, representando a TERRA DE DIREITOS;

CRISTIANA DOS SANTOS LUIZ, representando o MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO - MNU/DF;

DANIEL COSTA, representando a REDE AFRO LGBT;

DANIELLE DE PAULA, representando a COALIZÃO DE NEGRITUDE DO DISTRITO FEDERAL;
DEISE BENEDITO, advogada, especialista em relações étnico raciais e gênero e ex-Perita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura do Ministério da Justiça;

DENILDO RODRIGUES DE MORAES, representando  a COORDENAÇÃO NACIONAL DE ARTICULAÇÃO DAS COMUNIDADES NEGRAS, RURAIS, QUILOMBOLAS - CONAQ;

DENNIS OLIVEIRA, representando a REDE QUILOMBAÇÃO;

ÉLLEN DAIANE CINTRA, professora da SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO DISTRITO FEDERAL;

ERICK         VINICIUS      ANDRADE    DA      ROCHA,        representando         a NEGRITUDE DO COLETIVO JUNTOS;

FÁBIO FÉLIX, DEPUTADO DISTRITAL - PSOL;

FERNANDA LOPES, representando o movimento NIKETCHE: TRANSFORMANDO REALIDADES;

FREI DAVID RAIMUNDO SANTOS, representando o EDUCAFRO;

GILBERTO BATISTA       CAMPOS,      representando         o CÍRCULO PALMARINO;

GINA VIEIRA PONTE DE ALBUQUERQUE, representando o PROJETO MULHERES INSPIRADORAS;

IARA ALVES, representando o COTURNO DE VÊNUS;

IÊDA LEAL DE SOUZA, representando a COORDENAÇÃO NACIONAL DO MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO;

IVANETE ALVES OLIVEIRA, representando a UNIÃO DE NEGROS PELA IGUALDADE - UNEGRO;

JAQUELINE          FERNANDES, representando      o INSTITUTO AFROLATINAS;

JAQUELINE MARIA PEREIRA MARINHO NUNES, representando a NEGRITUDE SOCIALISTA BRASILEIRA - NSB/DF;

JORGE AMÂNCIO, professor, escritor e um dos criadores do Movimento Negro Unificado no Distrito Federal;

JULIO LISBOA, representando o AQUILOMBANDO - DISTRITO FEDERAL E ENTORNO;
KLEISON MORENO, representando a FORÇA AFRO BRASIL; LARISSA         VIEIRA, representando         a          ASSOCIAÇÃO          COLETIVO MARGARIDA ALVES DE ASSESSORIA POPULAR;

LEILA REGINA LOPES, representando a REDE SAPATÀ E A FRENTE BRASILEIRA DE LÉSBICAS NEGRAS ANTI-RACISTAS;

LUCAS SCARAVELLI DA SILVA, Historiador e Educador Popular;

LUCIANA GOMES DE ARAÚJO, jornalista e integrante da MARCHA DAS MULHERES NEGRAS DE SÃO PAULO;

LUCIMAR  ALVES           MARTINS,    representando         o CENTRO DE REFERÊNCIA DO NEGRO - CERNEGRO/DF;

LULA ROCHA, representando a REDE AFIRMAÇÃO;

MÁRCIA     MARIA          DA      SILVA,           representando         a ARTICULAÇÃO NACIONAL DE PSICÓLOGAS NEGRAS E PESQUISADORAS DA REGIÃO CENTRO-OESTE;

MARIA DAS GRAÇAS SANTOS, representando a FRENTE DE MULHERES NEGRAS E DO ENTORNO;

MARIA RAIANE FELIX BEZERRA, representando o COLETIVO PRETAS KARIRI;

MAX MACIEL, PRIMEIRO SUPLENTE DO PSOL NA CLDF;

NÁDIA        REIS,  representando         o          SUBVERTA  - COLETIVO ECOSSOCIALISTA E LIBERTÁRIO;

NATHÁLIA OLIVEIRA, representando a INICIATIVA NEGRA;

NEON CUNHA, militante independente e integrante da MARCHA DAS MULHERES NEGRAS DE SÃO PAULO;

NILZA IRACI, representando o GELEDÉS - INSTITUTO DA MULHER NEGRA;

PABLO FEITOSA NUNES AMORIM, representando o INSTITUTO NACIONAL AFRO ORIGEM - INAO;

PAULA BALDUINO, representando as PRETAS CANDANGAS;

RAFAEL MOREIRA, representando a FEDERAÇÃO DE UMBANDA E CANDOMBLÉ DE BRASÍLIA E ENTORNO;

RAFAEL OLIVEIRA, representando a EXTENSÃO UBUNTU, FRENTE NEGRA DE CIÊNCIA POLÍTICA;

REGINA NOGUEIRA, representando o FÓRUM NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL DOS POVOS TRADICIONAIS DE MATRIZ AFRICANA - FONSANPOTMA;
RENATA PARREIRA, representado o CANDACES;

ROSA ANACLETO, representando a UNIÃO DOS NEGROS E NEGRAS PELA IGUALDADE - UNEGRO;

ROSELI FARIA, representando o coletivo TODOS E TODAS PELA CONSTITUIÇÃO, o COLETIVO MULHERES DE LUTA e a ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS SERVIDORES DA CARREIRA DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO - ASSECOR;

SARAH NOBRE DE MENEZES, representando o INSTITUTO NEGRO DO CEARÁ;

TERENCE GONÇALVES, representando a ACADEMIA BRASILEIRA DE CULTURA E DESPORTO - COLETIVO ABCD;

VALÉRIA CARVALHO, representando o GRUPO DE VALORIZAÇÃO NEGRA DO CARIRI - GRUNEC;

VERÔNICA ISIDORO, representando a FRENTE DE MULHERES DOS MOVIMENTOS DO CARIRI;

VICTOR NUNES GONÇALVES, professor, jornalista e ex-Presidente do Conselho de Defesa dos Direitos do Negro do DF;

VINICIUS   PEREIRA,     representando         o          MOVIMENTO AFRODESCENDENTE DE BRASÍLIA - MADEB;

WANDERSON       MAIA NASCIMENTO,        representando         a FRENTE FAVELA BRASIL;

WALDICÉIA DE MORAES TEIXEIRA DA SILVA, professora e pastora, representando o COLETIVO DE MULHERES DAS ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS DO DISTRITO FEDERAL (COMOR-DF);

WILSON BARBOZA DA SILVA, professor e pastor, representando a ALIANÇA DE NEGRAS E NEGROS EVANGÉLICOS DO BRASIL NO DISTRITO FEDERAL (ANNEB-DF);

ZULEIDE FERNANDES DE QUEIROZ, representando o COLETIVO MARIELLE FRANCO DO CARIRI;

vêm, respeitosamente, com fulcro no artigo 5º, inciso XXXIV, alínea a, no art. 127, caput e no art. 129, incisos II e III, ambos da Constituição Federal, bem como no art. 236, inciso VII da Lei Complementar nº 75, de maio de 1993, como pessoas e entidades com trajetória dedicada à luta contra o racismo institucional e estrutural e pela implementação de políticas de promoção da igualdade racial, apresentar representação em face do Ministro de Estado Chefe da Casa Civil substituto FERNANDO WANDSCHEER DE MOURA ALVES e do Presidente da Fundação Cultural Palmares, o Senhor SÉRGIO NASCIMENTO DE CAMARGO, pelos fatos e fundamentos que se seguem.


I - DOS FATOS


      1.            No dia 27 de novembro, foi publicada a nomeação do novo Presidente da Fundação Cultural Palmares, o Sr. SÉRGIO NASCIMENTO DE CAMARGO, assinada pelo Ministro de Estado Chefe da Casa Civil substituto FERNANDO WANDSCHEER DE MOURA ALVES.

     2.    Criada em 1988, a Fundação Cultural Palmares é uma instituição pública, atualmente vinculada ao Ministério do Turismo, que tem a finalidade de promover e preservar a cultura afro-brasileira. A Fundação Cultural Palmares formula e implanta políticas públicas que potencializam a participação da população negra brasileira nos processos de desenvolvimento do País, preocupada com a igualdade racial e com a valorização das manifestações de matriz africana.

     3.  Resultado da luta do Movimento Negro brasileiro por políticas de promoção da igualdade racial, a Fundação Cultural Palmares foi o primeiro órgão federal criado para promover a preservação, a proteção e a disseminação da cultura negra.

     4.      Historicamente, a Fundação Cultural Palmares teve entre seus valores fundamentais o comprometimento com o combate ao racismo, a promoção da igualdade, a valorização, difusão e preservação da cultura negra, a promoção da cidadania no exercício dos direitos e garantias individuais e coletivas da população negra em suas manifestações culturais e a promoção da diversidade no reconhecimento e respeito às identidades culturais do povo brasileiro.

     5.  A Fundação Cultural Palmares tornou-se referência nacional e internacional na formulação e execução de políticas públicas da cultura negra, atuando para promover a inclusão social da população afro-brasileira, daí sua importância para a promoção de políticas de enfrentamento ao racismo e de promoção da igualdade racial.[i]

     6.            Diante do histórico e da importância da referida Fundação, a nomeação do Senhor SÉRGIO NASCIMENTO DE CAMARGO para presidi-la, mostra-se absolutamente antijurídica e contrária ao interesse público, uma vez que sua trajetória, historicamente, é radicalmente contrária aos interesses que a Fundação busca defender.

     7.   Conforme amplamente divulgado pela imprensa, o novo Presidente da Fundação Cultural Palmares é jornalista e militante de direita, marcado por atacar o Movimento Negro brasileiro, suas bandeiras e lideranças.

    8.         Entre as afirmações do novo Presidente da Fundação Cultural Palmares abertamente atentatórias contra o objeto e finalidade da instituição estão aquelas nas quais afirma que não existe “racismo real”, que a escravidão foi “benéfica para os descendentes” e a defesa da extinção do “movimento negro”.[ii]

     9.            Nas suas redes sociais, o escolhido para defender o órgão de promoção da igualdade racial já defendeu o fim do feriado da consciência negra e distribuiu uma série de ofensas a personalidades negras, conforme amplamente divulgado pela imprensa.

10.            De acordo com matéria publicada no jornal O’Globo:

“Racismo ‘Nutella"

No dia 15 de setembro, Camargo publicou que no Brasil existe um racismo “nutella”, ao contrário dos Estados Unidos, onde existiria um racismo “real”. “A negrada daqui reclama porque é imbecil e desinformada pela esquerda”, disse. Em 27 de agosto, havia escrito que a escravidão foi “terrível, mas benéfica para os descendentes” porque negros viveriam em condições melhores no Brasil do que na África.

Fim do movimento negro

No dia 16 do mesmo mês, afirmou que o movimento negro precisa ser “extinto” porque “não há salvação”. Em outra ocasião, escreveu que “merece estátua, medalha e retrato em cédula o primeiro branco que meter um preto militante na cadeia por crime de racismo”. Também já disse sentir “vergonha e asco da negrada militante”.

Críticas a Zumbi dos Palmares

O Dia da Consciência Negra é um dos alvos preferenciais do novo presidente da Palmares. Ele defendeu a extinção do feriado por decreto, porque ele causaria “incalculáveis perdas à economia do país” ao homenagear quem ele chamou de um “um falso herói dos negros”, Zumbi dos Palmares — que dá nome à fundação que ele agora preside. Também já afirmou que o feriado foi feito sob medida para o “preto babaca” que é um “idiota útil a serviço da pauta ideológica progressista”.

Ofensas a personalidades negras

A lista de personalidades negras atacada por Camargo é grande. Ele disse ser favorável a que “alguns pretos sejam levados à força para a África”, e cita Lázaro Ramos e Taís Araújo (classificada de “rainha do vitimismo”) como exemplo. “Sugiro o Congo como destino. E que fiquem por lá!”, disse. O sambista Martinho da Vila é outro que deveria “ser mandado para o Congo”, por ser um “vagabundo”. Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro assassinada a tiros, “não era negra” e era um “exemplo do que os negros não devem ser”.

Angela Davis, uma das principais expoentes do feminismo negro, foi chamada de “baranga” e “mocreia”. A cantora Preta Gil e a atriz Camila Pitanga foram chamadas de “ladras racistas” por, segundo ele, se dizerem negras “para faturar politicamente e fazer discurso vitimista”. Os músicos Gilberto Gil, Leci Brandão, Mano Brown, Emicida e os deputados federais Talíria Petrone e David Miranda (ambos do PSOL-RJ) foram todos chamados de “parasitas da raça negra no Brasil”.

Críticas ao funk

Além disso, o jornalista chamou a “macumba” — termo pejorativo utilizado para se referir a religiões de matriz africana
— e o “funk carioca” de “desgraças do mundo” e disse que o hip-hop faz “apologia da maconha e do crime”. Para ele, uma mulher negra que seja “feminista, lulista e afromimizenta não pode reclamar da ‘solidão da mulher negra'”, porque “ninguém é louco de encarar”.”[iii]

  11.            Diante de tais posicionamentos, resta evidente a incompatibilidade entre a trajetória e os valores do senhor SÉRGIO NASCIMENTO DE CAMARGO  e aqueles valores que a lei determina que devem ser perseguidos pela Fundação Cultural Palmares.

 12.            Tal incompatibilidade torna evidente que a referida nomeação tem como objetivo frustrar, não apenas a persecução dos objetivos legalmente atribuídos à Fundação, como o cumprimento do dever de enfrentamento do racismo institucional e estrutural e de promoção da igualdade racial expressamente abrigados na Constituição, o que configura claro desvio de finalidade, conforme passaremos a expor.


II - DO DIREITO


 13.            A Constituição Federal de 1988 consagrou a igualdade como garantia fundamental e elevou a prática do racismo a crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, conforme expressamente previsto em seu art. 5º:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
………………………………………………………………………
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

 14.       Decorre da referida garantia constitucional o reconhecimento do racismo existente na sociedade brasileira, especialmente em relação à população negra, sobretudo em razão do longo período em que prevaleceu entre nós uma economia baseada na expropriação da força de trabalho do povo negro, mediante a violência, tortura e assassinatos.

 15.      Da mesma forma, a garantia constitucional pressupõe o dever do Estado brasileiro de acertar suas contas com seu passado escravocrata, implementando políticas públicas que promovam a igualdade racial, de maneira a corrigir as injustiças praticadas contra o povo negro e a enfrentar o racismo institucionalizado e estruturado em nossa sociedade.

 16.    Trata-se de entendimento amplamente debatido e pacificado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, conforme podemos depreender do Acórdão proferido no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito  Constitucional nº 186, da relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, quando se debateu a constitucionalidade da política de cotas para negros nas universidades:
“EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. ATOS QUE INSTITUÍRAM SISTEMA DE RESERVA DE VAGAS COM BASE EM CRITÉRIO ÉTNICO-RACIAL (COTAS) NO PROCESSO DE SELEÇÃO PARA INGRESSO EM INSTITUIÇÃO PÚBLICA DE ENSINO SUPERIOR. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 1º, CAPUT, III, 3º, IV, 4º, VIII, 5º, I, II XXXIII, XLI, LIV, 37, CAPUT, 205, 206, CAPUT, I, 207, CAPUT, E 208, V, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.

                                                        I -           Não  contraria – ao  contrário,  prestigia – o princípio da igualdade material,  previsto no  caput do  art.  5º da Carta da República, a possibilidade de o Estado lançar mão sejade políticas de cunho universalista, que abrangem um número indeterminados           de indivíduos mediante ações de natureza estrutural, seja   de ações afirmativas, que atingem       grupos sociais       determinados,     de maneira  pontual,  atribuindo  a  estes  certas  vantagens,  por  um  tempo limitado, de modo  a permitir-lhes a superação de  desigualdade decorrentes         de situações históricas  particulares.

                                                    II -           O modelo constitucional brasileiro incorporou  diversos   mecanismos   institucionais   para   corrigir as  distorções   resultantes   de   uma   aplicação  puramente  formal do princípio da igualdade.

                                                 III -           Esta            Corte,          em      diversos precedentes, assentou a   constitucionalidade   das  políticas  de ação  afirmativa.

                                                  IV -           Medidas      que     buscam          reverter,        no âmbito universitário, o quadro histórico de desigualdade que caracteriza as relações étnico-raciais e sociais em nosso País, não podem ser examinadas apenas sob a ótica de sua compatibilidade com determinados preceitos constitucionais, isoladamente considerados,   ou   a   partir   da   eventual   vantagem   de certos critérios sobre outros, devendo, ao revés, ser analisadas à luz do arcabouço principiológico sobre o qual se assenta  o próprio Estado brasileiro. (...) ” 4[iv] (Grifamos)

 17.          O tema foi novamente abordado pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 41, de relatoria do Ministro Roberto Barroso, quando a Corte Suprema reafirmou:
“Ementa: Direito Constitucional. Ação Direta de Constitucionalidade. Reserva de vagas para negros em concursos públicos. Constitucionalidade da Lei n° 12.990/2014. Procedência do pedido. 1. É constitucional a Lei n° 12.990/2014, que reserva a pessoas negras 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal direta e indireta, por três       fundamentos.       1.1.       Em       primeiro      lugar,    a  desequiparação         promovida            pela   política       de       ação afirmativa   em   questão   está   em   consonância   com o  princípio  da  isonomia.  Ela  se  funda na necessidade de  superar   o   racismo   estrutural   e   institucional   ainda  existente           na      ociedade     brasileira,         e          garantir     a  igualdade   material   entre   os   cidadãos,   por   meio da  distribuição mais equitativa de bens sociais e da promoção        do        reconhecimento        da     população  afrodescendente.  1.2. Em segundo lugar, não há violação aos princípios do concurso público e da eficiência. A reserva de vagas para negros não  os  isenta  da  aprovação  no  concurso público.
Como qualquer outro candidato, o beneficiário da política deve alcançar a nota necessária para que seja considerado apto a exercer, de forma adequada e eficiente, o cargo em questão. Além disso, a incorporação do fator “raça” como critério de seleção, ao invés de afetar o princípio da eficiência, contribui para sua realização em maior extensão, criando uma “burocracia representativa”, capaz de garantir que os pontos de vista e interesses de toda a população sejam considerados na tomada de decisões estatais.(...)”[v]  (Grifamos)

18.   Dessa forma, a mais alta Corte do país consolidou entendimento no sentido de reconhecer a existência do racismo institucional e estrutural entre nós. Da mesma forma, consolidou que cabe ao Estado promover políticas públicas para seu enfrentamento, exatamente como prevê a norma ao estabelecer os objetivos a serem perseguidos pela Fundação Cultural Palmares.

 19.            De acordo com a Lei nº 7.668, de 1988:
“Art. 1º Fica o Poder Executivo autorizado a constituir a Fundação Cultural Palmares - FCP, vinculada ao Ministério da Cultura,  com  sede e foro no distrito Federal, com a  finalidade  de promover      a          preservação dos valores   culturais,  sociais e econômicos decorrentes da influência negra na  formação da sociedade brasileira.
Art. 2º A Fundação Cultural Palmares - FCP poderá atuar, em todo o território nacional, diretamente ou mediante convênios ou contrato com Estados, Municípios e entidades públicas ou privadas, cabendo-lhe:
                                                            I -             promover e apoiar eventos relacionados com os seus  objetivos, inclusive visando à interação cultural, social,  econômica e política do negro no contexto social do país;
                                                                  II -             promover e apoiar o intercâmbio com outros países e com entidades internacionais, através do Ministério das Relações  Exteriores,  para  a  realização  de  pesquisas, estudos  e  eventos  relativos  à  história  e  à  cultura dos povos negros.
                                   III -             realizar a identificação dos remanescentes das comunidades         dos quilombos,    proceder    ao reconhecimento,   à   delimitação   e   à   demarcação  das terras  por    eles    ocupadas         e          conferir-lhes        a correspondente titulação.(...)” [vi] (Grifamos)

20.       Dessa forma, é indiscutível que a Fundação Cultural Palmares é um dos instrumentos criados pelo legislador infraconstitucional para o cumprimento do dever constitucional imposto ao Estado brasileiro de enfrentar o racismo institucional e estrutural e de promover a igualdade racial, com o objetivo de reparar a violência histórica e a exclusão social de que fora vítima a população negra em nosso país.

 21.    Trata-se de finalidade diametralmente oposta aos valores defendidos pela pessoa escolhida para ocupar a Presidência da referida instituição, o que torna sua nomeação um claro exemplo de desvio de poder e absolutamente incompatível com as finalidades que a Fundação deve perseguir, devendo ser imediatamente anulada, sob pena de frustrar o cumprimento da obrigação prevista constitucionalmente.

22.       Nesse sentido, manifestou este colendo parquet ao propor ação civil pública[vii]  para  questionar  a  nomeação  para cargos públicos em situação  muito semelhante,   quando   pessoas   com   trajetória   historicamente   contrárias aos objetivos colimados pela Comissão de Anistia foram nomeadas para o Conselho daquele órgão. Na ocasião, manifestou-se o Ministério Público:
“Das provas que acompanham esta Petição, vê-se que 07 membros         nomeados para a nova composição        do Conselho          da Comissão de Anistia são agentes de carreiras ou têm histórico e postura públicos que são INCOMPATÍVEIS   com   a   função   do   órgão, seja por manifesta contrariedade à política pública de reparação das vítimas de Estado ou devido à atuação judicial contrária à política de reparação, ou ainda por se posicionarem contrários à instauração da Comissão Nacional  da  Verdade,  seja  porque  integram  as forças coercitivas do Estado.”[viii] (Grifamos)

23.    Diante do claro objetivo de desestruturar os trabalhos da Comissão mencionada a partir das referidas nomeações, o Ministério Público defendeu expressamente que fossem anuladas as nomeações efetivadas para o referido órgão.[ix]

24.     É exatamente o caso da nomeação do senhor SÉRGIO NASCIMENTO DE CAMARGO, tendo em vista a mais absoluta incompatibilidade entre sua trajetória e os objetivos colimados pela Fundação Cultural Palmares.

25.            Deve-se alertar que, apesar da livre nomeação para o referido cargo prevista em lei, a designação de pessoas para o comando de órgãos com o claro intuito de desestruturá-los fere os princípios básicos que regem a administração pública e está sujeita às sanções previstas em lei.

26.            Nesse sentido, a Lei nº 8.429/1992, Lei de Improbidade Administrativa, prevê, em seu art. 11, que constitui ato de improbidade a prática de ato que atente contra os princípios da administração pública da moralidade, da legalidade e da lealdade às instituições, e notadamente a prática de ato visando a fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência, sujeitando seu autor, servidor civil ou militar, à pena de perda da função pública, suspensão dos direitos políticos e multa civil de até cem vezes o valor da remuneração.

27.      Por sua vez, a Lei nº 4.717/65 estabelece que são nulos os atos que atentem contra o patrimônio histórico nacional, em especial aqueles praticados em claro desvio de finalidade, assim concebido o ato praticado objetivando fim diverso daquele previsto na regra de competência.

28.    Conforme aponta Edmir Netto de Araújo, a violação da finalidade se constata quando o agente público persegue um fim proibido em lei ou que não seja de interesse geral.[x]

29.     No presente caso, resta evidente que o Ministro de Estado Chefe da Casa Civil ao nomear o senhor SÉRGIO NASCIMENTO DE CAMARGO para a Presidência da Fundação Cultural Palmares violou todo o arcabouço constitucional que obriga o Estado a enfrentar o racismo institucional e estrutural e a promover políticas de promoção da igualdade racial, uma vez que o indicado para o órgão responsável por concretizar esses deveres contesta a escravidão a existência do racismo entre nós.

30.   Mais evidente ainda é o desvio de finalidade contido na conduta, uma vez que a finalidade almejada não é o interesse geral, mas sim o de preservar o racismo estrutural e institucional e de impedir a promoção de políticas para a inclusão da população negra.

 31.    Inquestionável que a conduta do Ministro Chefe da Casa Civil fere ainda os princípios básicos que regem a administração pública abrigados no art. 37 da Constituição Federal, como o da moralidade e o da legalidade.

32.     Por todo exposto, é imprescindível e urgente que as instituições responsáveis pela preservação dos limites constitucionais estabelecidos para o exercício do Poder Executivo atuem para resguardar as normas violadas.

33.  A nomeação questionada tem o intuito claro e exclusivo de inviabilizar o funcionamento da Fundação Cultural Palmares, instituição central para o combate ao racismo institucional e estrutural e para a promoção das políticas de promoção da igualdade racial entre nós.

34.       Trata-se de verdadeira operação de sabotagem dos poucos avanços que a população negra conquistou em nosso país, sobretudo nos últimos anos, resultado do acúmulo da luta de diversas gerações, situação absolutamente incompatível com a Constituição Cidadã.

35.       Em síntese, ao efetivar a referida nomeação o Ministro de Estado Chefe da Casa Civil substituto cometeu ato de improbidade e agiu em abuso de poder, conduta que é cada vez mais corriqueira no âmbito do atual Governo, aumentando ainda mais a responsabilidade do Ministério Público, do Poder Judiciário e do Legislativo.


III - DO PEDIDO


36.            Nesse sentido, requer-se, sem prejuízo de outras medidas que esta Procuradoria entender cabíveis:

                                                      I -             a urgente instauração de procedimento por esta Procuradoria-Geral para exigir a declaração de nulidade da nomeação do senhor SÉRGIO NASCIMENTO DE CAMARGO para a Presidência da Fundação Cultural Palmares, publicada no dia 27 de novembro de 2019;
                                                   II -             a adoção de procedimento para apurar a responsabilidade do Ministro de Estado Chefe da Casa Civil substituto FERNANDO WANDSCHEER DE MOURA ALVES ao efetivar nomeação para frustrar o cumprimento dos deveres constitucionais conferidos ao Estado brasileiro para enfrentar o racismo institucional e estrutural e para promover políticas de promoção da igualdade racial;


Brasília, 28 de novembro de 2019.



Marivaldo De Castro Pereira
OAB/SP nº 230.043

Ana Flávia Magalhães Pinto
REDE HISTORIADORXS NEGRXS

Andrey Lemos
UNIÃONACIONAL DE LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS/UNALGB

Artur Antônio Dos Santos Araújo
NOSSO COLETIVO NEGRO

Bárbara Oliveira
PRETAS CANDANGAS

Carolina Saraiva
CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA DO DISTRITO FEDERAL

Cinthia Abreu
MARCHA MUNDIAL DE MULHERES NEGRAS E DO SAMBA NEGRAS EM MARCHA

Ciro De Souza Brito
TERRA DE DIREITOS;

Cristiana Dos Santos Luiz
MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO - MNU/DF

Daniel Costa
REDE AFRO LGBT

Danielle De Paula
COALIZÃO DE NEGRITUDE DO DISTRITO FEDERAL

Deise Benedito
Ex-Perita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura do Ministério da Justiça

Denildo Rodrigues De Moraes
COORDENAÇÃO NACIONAL DE ARTICULAÇÃO DAS COMUNIDADES NEGRAS, RURAIS, QUILOMBOLAS - CONAQ

Dennis Oliveira
REDE QUILOMBAÇÃO

Éllen Daiane Cintra
PROFESSORA DA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO DISTRITO FEDERAL

Erick Vinicius
ANDRADE DA ROCHA NEGRITUDE DO COLETIVO JUNTOS;

Fábio Félix
DEPUTADO DISTRITAL - PSOL

Fernanda Lopes
NIKETCHE: TRANSFORMANDO REALIDADES

Frei David Raimundo Santos
EDUCAFRO

Gilberto Batista Campos
CÍRCULO PALMARINO

Gina Vieira
PONTE DE ALBUQUERQUE PROJETO MULHERES INSPIRADORAS

Iara Alves
COTURNO DE VÊNUS

Iêda Leal De Souza
COORDENAÇÃO NACIONAL DO MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO;

Ivanete Alves Oliveira
UNIÃO DE NEGROS PELA IGUALDADE - UNEGRO

Jaqueline Fernandes
NSTITUTO AFROLATINAS

Jaqueline Maria Pereira Marinho Nunes
NEGRITUDE SOCIALISTA BRASILEIRA - NSB/DF

Jorge Amâncio
Professor, escritor e um dos criadores do Movimento Negro Unificado no Distrito Federal

Julio Lisboa
AQUILOMBANDO - DF E ENTORNO

Kleyson Moreno
FORÇA AFRO BRASIL

Larissa Vieira
ASSOCIAÇÃO COLETIVO MARGARIDA ALVES DE ASSESSORIA POPULAR

Leila Regina Lopes
REDE SAPATÀ E FRENTE BRASILEIRA DE LÉSBICAS NEGRAS ANTI-RACISTAS;

Lucas Scaravelli Da Silva
HISTORIADOR E EDUCADOR POPULAR

Luciana Gomes De Araújo
MARCHA DAS MULHERES NEGRAS DE SÃO PAULO;

Lucimar Alves Martins
CENTRO DE REFERÊNCIA DO NEGRO - CERNEGRO/DF;

Lula Rocha
REDE AFIRMAÇÃO

Márcia Maria Da Silva
ARTICULAÇÃO NACIONAL DE PSICÓLOGAS NEGRAS E PESQUISADORAS DA REGIÃO CENTRO-OESTE

Maria Das Graças Santos
FRENTE DE MULHERES NEGRAS E DO ENTORNO

Maria Raiane Felix Bezerra
COLETIVO PRETAS KARIRI

Max Maciel
PRIMEIRO SUPLENTE DO PSOL NA CLDF

Nádia Reis
SUBVERTA - COLETIVO ECOSSOCIALISTA E LIBERTÁRIO

Nathália Oliveira
INICIATIVA NEGRA

Neon Cunha
MARCHA DAS MULHERES NEGRAS DE SÃO PAULO

Nilza Iraci
GELEDÉS - INSTITUTO DA MULHER NEGRA;

Pablo Feitosa
INSTITUTO NACIONAL AFRO ORIGEM - INAO

Paula Balduino
PRETAS CANDANGAS

Rafael Moreira
FEDERAÇÃO DE UMBANDA E CANDOMBLÉ DE BRASÍLIA E ENTORNO

Rafael Oliveira
EXTENSÃO UBUNTU, FRENTE NEGRA DE CIÊNCIA POLÍTICA

Regina Nogueira – Kota Mulanji
FÓRUM NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL DOS POVOS TRADICIONAIS DE MATRIZ AFRICANA - FONSANPOTMA;

Renata Parreira
CANDACES

Rosa Anacleto
UNIÃO DOS NEGROS E NEGRAS PELA IGUALDADE - UNEGRO;

Roseli Faria
TODOS E TODAS PELA CONSTITUIÇÃO, o COLETIVO MULHERES DE LUTA, ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS SERVIDORES DA CARREIRA DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO - ASSECOR;

Sarah Nobre De Menezes
INSTITUTO NEGRO DO CEARÁ

Terence Gonçalves
ACADEMIA BRASILEIRA DE CULTURA E DESPORTO - COLETIVO ABCD

Valéria Carvalho
GRUPO DE VALORIZAÇÃO NEGRA DO CARIRI - GRUNEC

Verônica Isidoro
FRENTE DE MULHERES DOS MOVIMENTOS DO CARIRI

Victor Nunes Gonçalves
Ex- Presidente do Conselho de Defesa dos Direitos do Negro do DF;

Vinicius Pereira
MOVIMENTO AFRODESCENDENTE DE BRASÍLIA - MADEB;

Wanderson Maia Nascimento
FRENTE FAVELA BRASIL

Waldiceia De Moraes Teixeira Da Silva
COLETIVO DE MULHERES DAS ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS DO DISTRITO FEDERAL (COMOR/DF)

Wilson Barbosa Da Silva
ALIANÇA DE NEGRAS E NEGROS EVANGÉLICOS DO BRASIL NO DISTRITO FEDERAL (ANNEB/DF)

Zuleide Fernandes De Queiroz
COLETIVO MARIELLE FRANCO DO CARIRI






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